“Dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, treze, quatorze, quatorze…” – assim contava Bertel, uma criança de três anos de idade, ao parar espontaneamente no ábaco montado pela equipe da Kompan Play Institute. Eles conduziram um estudo para observar o uso da linguagem pelas crianças em momentos fora e dentro da estrutura dos brinquedos. Como resultado, eles observaram que os brinquedos facilitaram, além da contagem dos números, a mudança no comportamento social e cognitivo das crianças. E, principalmente, o que nos é interessante aqui hoje, é que eles aumentaram o uso da linguagem e as mudanças foram diferentes de acordo com as características de cada criança. Bom, vamos explicar melhor:
Quatro crianças dinamarquesas de três anos de idade, duas meninas e dois meninos, participaram de um estudo da Kompan. Em quatro dias diferentes, elas foram levadas para uma área verde em que uma estrutura de brinquedo havia sido formada. Os pesquisadores disseram para as crianças que era permitido brincar no espaço, mas não disseram que elas deveriam fazer isso. A estrutura montada é um protótipo chamado “Moments Mini” que possui três painéis diferentes, montados na altura das crianças e possíveis de serem manipulados em ambos os lados.
O primeiro brinquedo possui copinhos com areia e o objetivo é passar a areia de um copo para outro, movendo ele pelos trilhos. Isso trabalha a noção dos efeitos da gravidade e a coordenação motora. O segundo possui um ábaco com dez peças em duas linhas e o objetivo é facilitar o uso dos números e a habilidade de contar. Por último, o terceiro espaço tem uma janela circular, desenhada para encorajar a interação social entre as crianças dentro e fora da estrutura do brinquedo. Nesses quatro dias, as crianças foram observadas individualmente e cada uma foi o foco em um dia diferente.
Eles usaram duas medidas diferentes para analisar o comportamento das crianças. A primeira delas foi a Play Observation Scale (POS), uma forma de codificar o comportamento das crianças durante a brincadeira em termos sociais e cognitivos. Em intervalos de dez segundos, é observado o tipo de comportamento social baseado em três opções: brincadeira solitária, que acontece quando a criança brinca sozinha, prestando pouca atenção nas outras crianças; brincadeira paralela, que ainda é uma brincadeira independente, mas que acontece junto com outra criança; e brincadeira em grupo, com a participação de outras crianças.
Depois disso, é observado o tipo de comportamento cognitivo, que pode ser: jogo construtivo, com a manipulação de objetos para criar alguma coisa, como construir algo com Lego, por exemplo; jogo exploratório, focado na examinação de algum objeto, como pedras no chão; jogo funcional, que é centrado nas sensações físicas que proporcionam, como o escorregador; jogo dramático, como encenar um consultório médico; e jogos com regras, como o esconde-esconde.
Além da análise social e cognitiva, o discurso das crianças foi gravado durante a brincadeira para uma análise linguística a partir do cálculo MLU (Mean Length of Utterance). O MLU é calculado pela média do número de morfemas nas frases que as crianças diziam. Um enunciado como “um gato”, por exemplo, contém dois morfemas, pois ambas as palavras não podem ser reduzidas a partes menores. Já o enunciado “dois gatos” contém três morfemas. O sufixo -s é um morfema separado que adiciona informações sobre a palavra gato, indicando que há mais de um.
Esse estudo ajuda a observar o desenvolvimento da linguagem das crianças. A MLU mostra a complexidade da fala de uma criança, mas não diz o quanto a criança fala ao longo do tempo. Para investigar isso, eles calcularam o MLU médio da criança e o número médio de enunciados durante a brincadeira na estrutura lúdica e compararam os resultados com a brincadeira na área verde.
Os resultados foram bem interessantes. Para Bertel, o garotinho que estava contando no início deste texto, 8% da brincadeira era dramática no espaço que só tinha grama, já na estrutura montada isso aumentou para 39%. Uma outra criança observada, Sanne, também teve um aumento significativo. 20% da brincadeira dela era dramática no espaço com grama e isso subiu para 75% na estrutura de brinquedo.
Outra observação interessante é sobre a Marie, uma criança bem tímida. Ela seguia o comportamento de seu amigo, Jesper, e esperava as orientações dele no espaço de área verde. Na estrutura montada, ela esperava bem menos por Jesper e se engajou exclusivamente nas brincadeiras funcionais, de forma mais independente. Jesper, por outro lado, permaneceu com o comportamento de jogo cognitivo estável dentro e fora da estrutura de jogo. Ele se engajou quase exclusivamente em jogos dramáticos no campo gramado e incluiu a estrutura do jogo em seu jogo dramático quando estava nele.
O jogo serve para que a criança tenha comunhão com o ambiente e Piaget nos explica que o jogo faz com que a criança assimile a realidade ao eu, no sentido de desdobrar, ou desabrochar, a personalidade e eliminar as tendências que podem ser nocivas para ela. É interessante pensar sobre a timidez e como a estrutura auxilia para que ela se expresse mais em brincadeiras simbólicas, desenvolvendo a capacidade de criar e interpretar. E também como isso não teve grande diferença na criança que não é tímida, que se expressou da mesma forma com ou sem o brinquedo.
O que achou desse estudo? As pesquisas sobre a infância e desenvolvimento infantil podem nos ajudar a planejar com mais cuidado os espaços que serão utilizados pelas crianças. Acompanhe a gente nas nossas redes sociais para mais conteúdos como esse. Esperamos você para a próxima leitura! =)
Justin Markussen-Brown, KOMPAN Play Institute. The influence of playground equipment on preschoolers play behaviour and language use. Disponível em: https://www.kompan.com/play-value-the-influence-of-playground-equipment.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. tradução de Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2020.
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